Por Wilson Hebert
Esse relato abaixo aconteceu há duas semanas e só está sendo publicado agora no Futebol & Variedades, pois, como noticiado neste espaço virtual, este autor que vos escreve se encontrava em provas na faculdade. Mas o valor do depoimento é imensurável para que saibamos um pouco mais sobre as forças militares do Estado do Rio de Janeiro.
De antemão, informamos a nossos leitores que as falas estão na íntegra, autorizadas pelo seu autor, que apenas fez um pedido que logo foi compreendido: que sua identidade não fosse revelada, pois um solado da Polícia Militar do Estado RJ criticando o Batalhão de Operações Policiais Especiais não é algo, digamos, aconselhável.
“Para alguém que vive ligado no que acontece ao seu redor, não é nem um pouco difícil perceber pra que serve o BOPE. Um batalhão que foi criado em 1978, em plena ditadura militar no Brasil, cujo símbolo é uma caveira com uma faca nos dentes. Pra que isso? Alguém em sã consciência acredita mesmo que esse símbolo coloca medo em traficante, em bandido, em pessoas que estão nessas vidas por não terem mais perspectivas de nada? Essas pessoas enfrentam coisa muito pior. Eles se enfrentam. Eles queimam pessoas... Linha de fogo com os “farda-pretas” pra eles não é nada. É morte ou vida, o mesmo do que enfrentar qualquer policial de farda azul...
Meu coração dói quando vejo notícias de que civis, populares, mídia e autoridades aplaudiram alguma ação do BOPE em alguma favela... Eles não estão lá em prol da sociedade. Eles não fazem nada em prol de ninguém, a não ser dos seus superiores. A ditadura acabou, mas as forças opressoras ainda existem. E essa é a verdadeira função do BOPE. Os governadores do Rio de Janeiro mudam, mas a função do BOPE não. Se alguém incomoda o chefão ocasional do Palácio da Guanabara, lá estarão seus ‘homens de preto’ para garantir a segurança... Deles, né, não a nossa.
E você, meu jovem, sabe qual foi o pior acontecimento para todo o setor de segurança pública do Rio de Janeiro? O BOPE ter ganhado filminho. Uma tremenda lavagem cerebral partindo de um cara que eu tinha o maior respeito. Foi muita decepção. Ele colocou a PM como antro de corrupções. Não vou mentir, com o salário que a gente ganha, fica quase impossível não se corromper. Toda pessoa sabe que a morte é certa. Mas um soldado da PM tem chances muito maiores de morrer mais cedo e no trabalho. Só que antes ele quer garantir algum sustento pra sua família.
Não estou querendo justificar nada. Entramos nessa vida militar um pouco porque queremos e um pouco porque somos utópicos, ingênuos ou idiotas. Quando eu era soldado, eu “passava o pente” em blitz, agora faço segurança em supermercado... Nossa vida é essa. Juntando aposentadoria e a merrequinha que ganho aqui, dá 2 mil por mês...
Mas quem disse que no BOPE não existe corrupção? (risos). No BOPE todo mundo é certo? Todo mundo é soldado/profissional modelo? Muito suspeito essa configuração cair justamente sobre a tropa “guarda-costas” do governo, não acha? Eles se acham superiores, sim, aos “farda-azuis”, mas o salário deles não é tão maior assim não. Nunca foi. O servidor público do Rio de Janeiro desde sempre foi maltratado e isso inclui qualquer categoria.
E isso reforçou a queimação de filme do BOPE neste episódio com os bombeiros. O Sergio Cabral ligou pro comandante do BOPE e os mandou lá, com uma missão: a de prender os bombeiros que estavam no quartel. O famoso “abafa-manifestação”. Era isso que os militares do poder faziam na ditadura quando havia alguma manifestação. Às vezes era um grupo de pessoas apenas insatisfeita com alguma coisa, que mal entendia as várias vertentes políticas e logo eram taxadas de comunistas. Hoje, no Rio de Janeiro, se alguém reclama do Cabral, ele responde dizendo que são eleitores do Garotinho. Ué, mas o Garotinho quase não tem mais voto... (risos).
Se o BOPE tivesse dignidade, ou melhor, se seus soldados fossem fortes mesmo como dizem, primeiro, não se entregariam a lavagem cerebral da qual são submetidos. Segundo, entrariam no quartel dos bombeiros e cruzariam os braços; se virariam ao lado dos bombeiros; bateriam no peito e gritariam: também queremos aumento! Mas não, deram porrada, arrancaram mulheres e crianças das mãos dos manifestantes que lutam por aquilo que todo servidor público luta e os colocaram nos seus ônibus, fazendo exatamente o que o governador pediu. Pro BOPE não existe companheirismo, irmandade, mas existem, sim, ordens do governo a serem cumpridas imediatamente. Se for preciso, eles matam um ao outro pra garantir a paz no Palácio da Guanabara.
A maior prova disso tudo que falei, é o Complexo do Alemão. Sabe o que acontece lá em cima? Tudo o que acontecia antes da invasão. E falaram que o BOPE foi lá promover uma divisão de águas... Só se for a água do esgoto a céu aberto. BOPE e exército trabalhando juntos e todo mundo achando que era o início de uma nova era, que a paz tinha chegado ao Rio de Janeiro... Ligando pro chefão e mandando ele fugir antes fica fácil. Depois, na merda, quando é pra ter morte pra valer, quem vai pro “pipoco”? A PM, os farda-azuis... E querem que a gente seja anjinho do poder público?”.
Wilson Hebert – Casos do Cotidiano
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