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Crocodilo Dundee


Por Roberto Simoníades

Hoje, vi uma notícia no site globo.com sobre um pescador que fez amizade com um crocodilo. Um crocodilo! O caso se deu da seguinte maneira: vinte anos atrás, o pescador salvou a vida do jovem crocodilo, que estava à beira da morte em um rio da Costa Rica. Desde então, tornaram-se amigos inseparáveis. Isso me levou a refletir sobre as relações humanas. Não seríamos todos nós animais de estimação uns dos outros? Conforme recebemos cuidados, afeto e atenção nos tornamos intimamente ligados uns aos outros a ponto de não nos oferecermos mais perigo, mesmo que nossa força corresponda ao dobro da de quem nos presta caridade.

Mas veja, podemos recordar do quão frágil é a relação mesmo entre quem aprende a dedicar bastante afeto à pessoa que se torna objeto de segurança. Não raro vemos animais domésticos que, subitamente, atraiçoam seus donos e em alguns casos extremos, chegam a lhes tomar a vida. Não seríamos nós animais domesticados até o momento em que o objeto de afeto nos oferece algum perigo? Creio que nossa fragilidade psíquica se reflita diretamente como fragilidade civil (na obediência civil, na relação com O Estado Leviatã, na opressão punitiva) – e que talvez possa até servir em alguns casos como uma inversão proporcional (não necessariamente o medo da punição se reflita como um benefício, mas como fonte de alguns crimes) – e que seja ela a residência das relações homem X homem, homem X animal e animal X animal.

Observando que desde a reflexão aristotélica convencionou-se a idéia de que o homem é um animal social, ficou igualmente convencionada a idéia de que somos inevitavelmente gregários por necessidade (carência de algo e/ou alguém). Aristóteles no livro I de “A Política” foi quem nos chamou a atenção para o fato de que a união se faz “entre seres incapazes de existir um sem o outro”. O crocodilo, a partir de um acaso à moda fenomenológica, teria se tornado um ser incapaz de existir sem que tivesse sido encontrado pelo seu pescador salvador? Mas a partir disso, também se faz necessário, então, lembrarmos que foi o mesmo autor quem nos chamou a atenção para o fato de que somos tanto gregários quanto solitários. E aí, surge a vida social. Teria o crocodilo aprendido a viver socialmente? Mais do que isso: não seria esse crocodilo, chamado Pocho, passível de atraiçoar o mesmo pescador que o salvou caso este ofereça algum risco de acordo com suas interpretações instintivas? Toda interpretação é muito mais instintiva do que racional, assim entendo. Vi essa tese ser comprovada por uma pesquisa na revista Mente e Cérebro, da Scientific American, referente à matéria “Não Fui Eu, Foi Meu Cérebro!”; aparentemente, as decisões que tomamos se dão segundos antes da consciência. Acontece que quando defrontados com situações de decisão, nós tomamos uma posição tanto emocionalmente estimulados quanto racionalmente desejosos na mesma fração de segundos e com a mesma posição lógica. É a mesma região do cérebro que atua em ambos os casos. O crocodilo já teria se decidido, então, a atacar seu salvador muito antes de pensar que ele é seu amigo. Esse comportamento não nos é familiar?

Nesse caso, não consigo deixar de pensar no confronto (no sentido de comparação) que faz Burguignon entre a renegação freudiana e a escotomização de Laforgue; a forma de encararmos a realidade, que se faz basicamente por aquilo em que acreditamos a despeito dela, ignorando àquilo que nos agride, podando a verdade que nos é ensinada como tal, não cercearia, demarcaria ou conduziria a nossa relação com todos os outros seres? Pois é Schopenhauer, o mestre do pessimismo alemão do século XIX, quem abre o primeiro dos quatro livros que constituem O Mundo Como Vontade e Representação com a sentença “o mundo é minha representação”. O mundo seria a individualidade (Vontade, realidade) mergulhada no senso coletivo, na pluralidade (Representação, o Véu de Maya). O crocodilo estaria vivendo na ilusão de que pertence ao mundo dos humanos? Não seria assim o processo que envolve a todos nós, quando dragados para o mundo profissional? O chefe fazendo o estagiário pensar que ele próprio é importante para a sua corporação, para que este se encha de Vontade, de otimismo, para que assim se desenvolva? Foi ainda nas minhas fontes sobre psicanálise francesa que li sobre os sonhos serem a válvula de escape do cérebro, ou na definição do próprio Freud, como uma espécie de descarga que manda o esterco pra fora. Não saberia dizer se um crocodilo tem sonhos, mas acho possível.

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