Um flamenguista que acordou do coma

Por Wilson Hebert

- Que isso? Onde estou?

Rafael, um jovem flamenguista de 18 anos, sofreu um acidente em dezembro do ano passado quando vinha da comemoração do título do Campeonato Brasileiro conquistado pelo seu time. Após seu carro se chocar contra um caminhão da Cia. de lixo, derrapar, capotar e se bater num poste, quase se partindo ao meio, Rafael desmaiou e ficou a periga, preso pelo cinto de segurança e a mercê de um possível incêndio em seu automóvel.

Após 30 minutos, polícia e ambulância chegavam ao local para socorrê-lo e levá-lo imediatamente ao hospital. Havia uma multidão muito grande em volta do carro completamente amassado e acabado. Todos acreditavam se tratar de uma fatalidade, dada a situação que viam.

Nove meses depois, exatamente no dia 11 de setembro, eis que Rafael deu um susto na equipe médica que acompanhava seu caso desde o início e acordou, com sua consciência estabilizada e se sentindo bem. Segundos depois, Doutor Prates entrou no quarto e se deparou com seu paciente acordado, perguntando o que havia acontecido.

- Como você se sente, Rafael? Não é sempre que uma pessoa resolve tirar um cochilo por nove meses...

- Como? Eu entendi direito, doutor? Nove meses? Afinal, quem é você? Cadê a minha mãe?

Doutor Prates riu ao ver os questionamentos de seu paciente e, embora estivesse bastante surpreso, acabou achando a situação divertida. Ele sabia que Rafael havia batido com seu carro vindo da comemoração do título do Flamengo, do Brasileirão do ano passado. Só para constar, o médico ali era botafoguense...

Chegando em casa, acompanhado de sua mãe e seu pai, Rafael seguiu direto para o quarto de Henrique, seu irmão militar – e também flamenguista fanático - que acabava de chegar do serviço, feliz com a melhora do caçula.

- Henrique, meu velho!!!

Henrique, assim como o Doutor Prates, seu pai e sua mãe, também se assustou com a vitalidade mostrada por Rafael após nove meses de coma.

- Que isso, Rafael?! Você ficou nove meses apagado que nem um desalmado e agora está ai no pique... Parece estar melhor do que eu...

- É muito estranho o que aconteceu comigo, meu irmão. Só lembro que eu tava chapadão, vindo da festinha no Leblon depois do jogo do Flamengo contra o Grêmio... E de repente acordei hoje, lá naquele hospital... Mas me conta aí, o que aconteceu nesse tempo?

- Ah, cara... Você perdeu a formatura da Carol...

Mesmo vendo seu irmão apresentar sinais de total recuperação, Henrique, militar como sempre, ainda prezava pela saúde de Rafael e tentava lhe poupar de notícias “mais fortes”. Mas mesmo assim, o próprio não estava nem aí e queria saber do que realmente lhe interessava.

- Cara, legal saber que a nossa prima finalmente terminou a faculdade de medicina... Mas eu quero saber do nosso Mengão, pô! Pra mim é como se a gente tivesse sido campeão brasileiro há poucos instantes... Fiquei sabendo lá no hospital que já estamos em setembro. Vai, me conta. Já ganhamos coisa pra caramba, né?... Somos campeões da Libertadores? Quantos gols o Adriano já tem na temporada?

- Rafael, calma. Algumas coisas aconteceram com o nosso Flamengo nesse período.

- Beleza, Henrique. Eu sei. Quantos títulos? Campeonato Carioca e mais o que?

- Olha Rafael, até chegamos na final do Carioca, mas perdemos.

- Perdemos???? Mas pra quem?

- Pro Botafogo, cara.

- Hein? Perdemos uma final pro Bo... É isso mesmo? Perdemos uma final pro Botafogo?

Rafael pensou por poucos segundos a respeito e logo tirou uma conclusão:

- Não, mas tudo bem. Ta certo. O time tava se preocupando com a Liberta. Mas ai, me conta sobre o nosso bi da Libertadores...

- Nós também não ganhamos a Libertadores, Rafael. Até tivemos um bom momento, eliminando o Corinthians nas oitavas. Mas pegamos a Universidad de Chile nas quartas, perdemos no Maracanã por 3x2... Eu até fui lá, com sua foto na minha carteira pra dar sorte, mas não rolou...

- Pô, Henrique. Péssima notícia, hein...

Rafael havia acordado do estado de coma feliz da vida e não seria nada fácil algo abalar seu humor e mesmo diante do que acabava de ouvir, ele buscava força e motivos para permanecer animado:

- Mas agora eu te digo, meu irmão. Pelo menos nós voltamos a ter ídolo no time.

E levantou-se da cama do seu irmão mais velho e começou a cantar dentro do quarto:

- Ôôôôôôôhhhh o Imperador voltoooouuuu...

Henrique logo acabou com a “festa”:

- Voltou mesmo, cara... Pra Itália.

- Ué! Mas ele não disse que não voltaria pra lá porque tava infeliz e que ia ficar no Mengão?

- Disse. Mas agora ele é jogador da Roma...

- Putz, velho. To começando a achar essa sequência de notícias muito ruim. Não tem uma informação boa, não?

- Tem sim, cara. O Zico agora é diretor do Mengão... Ele ta responsável pelo Departamento de Futebol.

Rafael novamente se animava:

- Ôôôôôôôhhhhh o Galinho voltoooouuuuu... Cara, isso sim é incrível. E aquele mal encarado do Bruno? Entrou nos eixos com o Zico na Gávea?

- Não só nos eixos. Ele entrou num lugar muito pior...

- Aonde?

- Na prisão!

- Ah não. Pêra aí. Você ta me dizendo que o Bruno foi preso? Ta curtindo com a minha cara, né?... Ah, já sei. Ele deve ter feito tanta cera num jogo ai que a policia invadiu o gramado e levou ele em cana, né... Aposto que o juiz ainda deu cartão vermelho pra ele (risos).

- Na verdade não foi isso, não, Rafael. Ele está sendo acusado de ter matado sua amante e a enterrado no sítio dele.

- Que isso que você ta me contando, cara? Isso é uma tragédia, irmão...

- Sim.

- Ok. Vamos esquecer o Bruno. Eu não gostava dele mesmo... Voltando ao Zico no Fla. Tenho até pena dos adversários só de pensar no time que ele montou. Agora me fala, estamos liderando o Campeonato Brasileiro, né? Qual o atacante ele trouxe pro lugar do Adriano?

- Cara, estamos longe da liderança, viu...

- Mas temos alguém que vai fazer gols pra nossa arrancada, né...

- Até pouco tempo a gente tava tendo que aturar Val Baiano, Borja e Leandro Amaral no nosso ataque... Mas recentemente chegaram dois reforços. O Deivid, aquele que foi campeão com o Santos, e o Diogo, aquele moleque bom de bola que apareceu na Portuguesa.

- Ufa, cara. Por um momento eu cheguei a pensar num ataque que não fazia gols, com esses três nomes que você falou... Borja, o quê que é isso? Mas bom, com Deivid e Diogo estamos bem... Devem ter estreado e feito gols pra cacete, né não? Fala ae...

- Então, Rafael... Contando todos os atacantes do Fla, estamos sem marcar gols há 1.070 minutos.

- Cacetada! Então não era só eu que estava em coma. O Flamengo também...

- Eu diria que não se trata de um coma. Mas sim de ter sido enterrado junto com o corpo da Eliza Samúdio no sítio do Bruno...

- Eliza Samudio? Esse nome não me é estranho...

- Bom... Ela já fez filme pornô...

- Ah, então deve ser isso... Mas me conta aí, cara. Hoje é sábado. Provavelmente amanhã o Mengo joga. Vai ser no Maraca? Quero ir! Voltar ao salão de festa...

- Rafael, o Maracanã foi fechado pra reforma visando a Copa de 2014 e o Flamengo jogou hoje, lá em Volta Redonda, contra o Vitória.

- Ah, o Vitória sempre são três pontos garantidos aqui no Rio de Janeiro. Já sei, aposto que esse jejum de gols foi quebrado hoje. Agora vai, manda aquela notícia bonita pro seu irmão...

- Mais ou menos. O time pelo menos fez dois gols.

- Ganhamos de 2x0... Tá bom!

- Foi 2x2, Rafael.

- Ah, você ta de brincadeira! Mas os gols foram de quem? Deivid e Diogo cada um?

- Os dois gols foram do Kleberson, Rafael.

- Do KLE-BER-SON????? Dois?????

Nesse momento, enfim Rafael mudava seu humor. Ele saiu do quarto do seu irmão atordoado, seguiu para a sala, onde estava sua mãe assistindo um filme e perguntou:

- Mão, onde você colocou minha mala?

- Ué, meu filho. Mal você chegou do hospital e já resolveu viajar?

- Não. Dá minha mala de volta. Quero entrar em coma de novo...

Infelizmente para os rubro-negros, as únicas partes que são ficções nesse texto são os personagens e a história do acidente e do coma.